Na década de 1970 edifícios da Orla de Santos, em São Paulo, começaram a entortar, causando curiosidade nos moradores e visitantes da cidade. Esse fenômeno pode ser visto como resultado de um processo de urbanização rápida e desregulada, que se manifesta em uma questão técnica da construção dos edifícios. Confira mais sobre os prédios tortos de Santos.
Santos, uma das maiores cidades do litoral paulista, com uma população estimada de mais de 430 mil habitantes (IBGE 2020), localizada na região metropolitana da Baixada Santista e próxima à cidade de São Paulo, foi uma das primeiras vilas a serem desenvolvidas após a colonização portuguesa do século XVI.
Este território foi colonizado logo no início dos anos 1530, junto de sua vizinha São Vicente, e tempos depois, por conta de sua localização geográfica, se tornou uma vila portuária. Apesar do status e das expectativas da época, as condições geográficas da área não ofereceram condições para a vila evoluir naquele momento. O solo de planície, conformado majoritariamente por areia e argila que inundava periodicamente, somado às condições naturais dos ecossistemas encontrados, como os mangues, dunas, restingas, e ainda à topografia íngreme do entorno, impossibilitaram o desenvolvimento da agricultura a partir da práxis dos colonos.
Dessa forma, Santos só evoluiu de vila para cidade no século XIX, a partir da economia cafeeira quando o porto se tornou fundamental para a economia da época. Apesar de se passarem quase três séculos, o crescimento da vila foi rápido e concentrado. Assim como o crescimento populacional, o espalhamento pela cidade também seguiu esse mesmo fluxo, crescendo sem controle e sem medidas sanitárias e urbanísticas.
Devido a esse crescimento acelerado, não só populacional, mas também do tecido urbano, a cidade passou por importantes transformações a partir do final do século XIX, com a reforma do porto e o plano de saneamento da cidade. Outras grandes obras que transformariam a ocupação na cidade foram a construção da Estrada da Maioridade, que conectava Santos a São Paulo e que posteriormente seria chamada de Via Anchieta, e o Plano Regulador da Cidade, de 1951, orientado por Prestes Maia.
Todas essas intervenções da engenharia e do poder público foram feitas a partir do interesse comercial de desenvolver a cidade e a região. É a partir dessas obras que se estabelecem as condições necessárias para a expansão urbana da cidade de Santos, e é somente nesse momento, entorno da década de 1940, que os habitantes começam a ocupar as orlas das praias com palacetes usados pela elite como casas de veraneio, os quais, pouco tempo depois foram substituídos por edifícios altos com vista para o mar.
Dentre exemplares modernos e ecléticos, a orla de Santos foi se caracterizando com edifícios altos ao longo dos anos 1950 e 1960, enquanto a cidade se tornou importante ponto turístico das férias da sociedade de classe média paulistana. Esse avanço nas construções na orla, porém, teve consequência que podem ser vistas até hoje.
Durante a década de 1970, alguns desses edifícios da orla foram “entortando” em direções e angulações variadas, grandes o bastante para serem vistas a olho nu. O fenômeno dos “prédios tortos de Santos” foi noticiado nacionalmente, e se tornou um marco da cidade, despertando a curiosidade de moradores e turistas e constituindo-se como elemento da paisagem urbana. Esse fenômeno, porém, tem uma justificativa técnica que relaciona a natureza geográfica do lugar com as decisões políticas e técnicas da época.
Imagem: Flickr
O “entortamento” dos prédios da orla de Santos é causado pelo recalque que suas fundações sofreram devido à movimentação nas camadas de solo onde foram implantadas. O recalque consiste na movimentação de um ou mais pilares ou fundações de uma edificação, deixando-a torta. A fundação de um edifício deve encontrar uma camada de solo rígida para se apoiar, o que é possível constatar a partir de sondagens e análises daquele local. Em edifícios altos, a depender do solo, as fundações chegam a mais de 50 metros de profundidade.
As fundações dos edifícios tortos de Santos foram construídas em uma época onde o conhecimento técnico de construções em altura ainda era pouco desenvolvido. Havia também grande interesse econômico em construir muito e rápido, o que resultou em edifícios com fundações rasas, de 3 ou 4 metros, que tocam apenas a primeira camada de solo: uma areia fina e argilosa, relativamente firme. A grande questão é que abaixo desta areia firme há uma camada de areia fina siltosa, mais mole que a primeira camada. Esta camada, ao ser exposta a uma série de estresses causados pelo volume de construções, começou a se movimentar, ocasionando o recalque das fundações rasas dos edifícios da orla.
Imagem: Archdaily
Diversos estudos e tentativas foram feitas para resolver o problema, desde introdução e intervenção nas fundações existentes, até a retirada do solo mole. Porém, com o passar do tempo, e apesar de alguns resultados positivos dessas intervenções, os edifícios foram ficando cada vez mais tortos e, apesar disso, ainda continuaram sendo habitados.
O caso dos edifícios tortos de Santos nos traz pontos importantes para serem ponderados. Como, é importante destacar a importância de todas as disciplinas complementares em uma construção, especialmente no caso de edifícios em altura. Para além do projeto de arquitetura, para o qual convergem todos os outros, é importante se ater às especificidades dos projetos complementares, por exemplo, o de fundações, estrutura, elétrica e hidráulica – que faz da etapa de compatibilização uma das mais importantes no processo de projeto.
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